Veja os vídeos
http://www.youtube.com/watch?v=ndfWzNEKV7E
http://www.youtube.com/watch?v=A2OpY_dU6I4&list=TLN-rROPUk0TMJtdLR3823ph3XUcyxDSym
http://www.youtube.com/watch?v=l9WeNN1zenk&list=TLN-rROPUk0TMJtdLR3823ph3XUcyxDSym
http://www.youtube.com/watch?v=PEkEUS3CFE8&list=TLN-rROPUk0TMJtdLR3823ph3XUcyxDSym
PORTUGAL NO PRIMEIRO
PÓS-GUERRA
Nos anos
que se seguiram ao fim da 1ª Guerra Mundial, mantinham-se em Portugal as
dificuldades económicas e financeiras cujas esperanças de resolução tinham
conduzido ao triunfo do republicanismo.
Não só se mantinham como se agravaram ainda mais devido à participação
de Portugal na Guerra e à conjuntura de crise internacional subsequente.
Tal como em toda a Europa, estava também criado o ambiente favorável à
intensificação da agitação social a que os frágeis governos republicanos não
conseguiam pôr cobro. Com a sua credibilidade cada vez mais minada pela
inoperância política, prenunciava-se, também em Portugal, a transição da
democracia liberal para a ditadura.
1. AS DIFICULDADES ECONÓMICAS E FINANCEIRAS
a) A agricultura
Nos inícios do século XX, a economia portuguesa
continuava a assentar numa atividade agrícola que não evidenciava grandes
desenvolvimentos técnicos. No Norte, mantinha-se o tradicional parcelamento da
propriedade que inviabilizava os grandes investimentos e, no Centro e Sul, onde
predominava a grande propriedade, a pobreza dos solos não atraía o investimento
do débil setor empresarial português que continuava a preferir investir na
especulação financeira.
b) A indústria
No seguimento do surto industrial que marcou a segunda
metade do século XIX, podemos falar de uma relativa prosperidade sobretudo nos
setores mais virados para as exportações, nos anos que se seguiram à guerra.
Todavia, a produção industrial continuava
inviabilizada pela debilidade que caracterizava o setor dos transportes e das
comunicações. Os setores rodoviário e ferroviário mantinham-se praticamente no
estado em que foram deixados por Fontes Pereira de Melo. Não mais se investiu
consistentemente no seu alargamento, nem sequer na sua reparação. O mesmo se
passava com o apetrechamento dos grandes portos marítimos de Lisboa e de
Leixões, cada vez menos adaptados às novidades da circulação marítima, e com a
marinha mercante, incapaz de competir com as grandes frotas estrangeiras que
continuavam a dominar o tráfego dos produtos nacionais.
c) As dificuldades financeiras
À semelhança do que ocorria na Europa, também em
Portugal a insuficiência produtiva provocava a prática dos racionamentos e do
constante aumento dos preços. Para responder às dificuldades, os governos
procediam à emissão de notas de banco cada vez mais desvalorizadas, o que vinha
agravar ainda mais a inflação.
Mas as dificuldades financeiras do país eram maiores
pela crescente fuga de capitais para o estrangeiro devido à depreciação do
escudo e à descrença na força da moeda portuguesa.
Num país assim descapitalizado, os sucessivos governos
da 1§ República assistiam impotentes ao agravamento do défice da balança
comercial e ao disparar da dívida pública.
2. A INSTABILIDADE POLÍTICA E SOCIAL
A revolução republicana não trouxe a esperada
estabilidade política, nem as reformas empreendidas corresponderam aos anseios
das classes que, ardentemente, apoiaram o movimento revolucionário. A desilusão
foi imediata e a crise prolongou-se durante 16 anos em que ocorreram 8 eleições
para a presidência da República, 9 eleições legislativas e foram nomeados 45
governos.
a) A instabilidade política
Logo a seguir ao triunfo da revolução, vieram ao de
cima as divergências no seio do Partido Republicano, motivadas em ambições
pessoais de poder. Seguir-se-iam as primeiras grandes cisões internas e o
movimento republicano acabaria por se pulverizar em pequenas fações que, uma
vez eleitas, transportavam para o Congresso as suas rivalidades, envolvendo-se
em ferozes e indisciplinadas, mas inofensivas, lutas políticas.
Ora, a Constituição de 1911 instituía o predomínio do poder legislativo
sobre o poder executivo. Por conseguinte, a constante interferência do
Congresso na atividade governativa tornava ineficaz a ação dos governos. Com
efeito, os repetidos desentendimentos entre os partidos com assento no
Congresso inviabilizavam a constituição de maiorias parlamentares e geravam
impasses irresolúveis que, muitas vezes por questões secundárias, faziam cair
governos e presidentes.
Portanto, numa altura em que a situação económica e
financeira que tinha estado na origem da contestação da Monarquia continuava a
não dar sinais de resolução e se agravava com o fim da Guerra, os governos
republicanos deixavam transparecer uma cada vez maior inoperância na resolução
das dificuldades e começavam a ser vistos como a continuação da administração
corrupta derrubada em 1910.
Nesta conjuntura, as medidas legislativas não
agradavam nem aos setores revolucionários, por as considerarem insuficientes,
nem aos setores conservadores, por as considerarem exageradas.
b) A instabilidade social
Conjugando os quadros económico e financeiro com o
quadro político, estavam criadas as condições para a afirmação de um quadro
social explosivo.
Com efeito, as profundas desvalorizações da moeda e a inflação
galopante não acompanhada pela subida dos salários provocam sérias dificuldades
nas classes médias titulares de rendimentos fixos. Por seu lado, os operários,
além do custo de vida, não suportavam as frequentes situações de desemprego a
que estavam violentamente condenados face às dificuldades do setor produtivo.
A agitação social, patente em manifestações e greves,
ocorre de forma cada vez mais violenta. E o poder político, cada vez mais
fragilizado, revelava-se inoperante face à generalização da desordem.
Face a esta situação, os setores conservadores, onde
se destacavam os mais poderosos grupos económicos e as altas patentes
militares, ficam apreensivos e receiam que Portugal enverede pela via do
socialismo triunfante em 1917, na Rússia. À semelhança do que acontecia na
Europa, culpam o regime parlamentar de ser o causador de todos os males da República,
aspiram por um governo forte, autoritário que ponha termo à instabilidade
política e à agitação social e que defenda melhor os seus interesses de classe.
3. A FALÊNCIA DA 1ª REPÚBLICA
Em 28 de
maio de 1926, o país estava cansado de tanta agitação social, de greves e
atentados bombistas.
Também não se vislumbrava, na democracia parlamentar, qualquer solução
para os problemas económicos e financeiros. Assim, a vontade de um governo que
restaurasse a ordem e a tranquilidade e trouxesse, finalmente, ao país o tão
desejado e prometido desafogo económico era quase unânime.
Bem aproveitado foi este sentimento pelas forças
antidemocráticas e antiparlamentares que, praticamente sem oposição,
organizaram, a partir de Braga, um movimento militar e levaram a cabo um golpe
de Estado, em consequência do qual foi instituído um regime de ditadura
militar.
O novo Governo decreta o fim das liberdades
individuais, dissolve o Congresso da República (Parlamento) e extingue todas as
instituições de inspiração liberal e democrática.
A 1ª
República chegava ao fim e, com ela, a democracia parlamentar.
PORTUGAL: O ESTADO NOVO
Durante os
primeiros anos do regime de ditadura, instituído com o golpe militar de 28 de
maio de 19261, a crise política acentuou-se com os desentendimentos e divisões
surgidos entre os militares politicamente impreparados e o défice financeiro
não parou de se agravar. A promessa de regeneração da pátria não dava sinais de
se cumprir.
Perante as dificuldades, em
abril de 1928, os militares fazem um segundo convite a um distinto professor de
Finanças e Economia Política da Universidade de Coimbra, António de Oliveira
Salazar, para superintender na pasta das Finanças, cargo que tinha declinado
logo a seguir ao golpe de 1926, por não lhe terem sido concedidos os poderes
que considerava necessários para exercer uma boa governação.
Com Salazar no Governo, inicia-se a edificação do
Estado Novo.
1. O TRIUNFO DAS FORÇAS
CONSERVADORAS
O Estado Novo é a imagem do
Estado totalitário português inspirado na ideologia fascista, com
particularidades introduzidas por Salazar, que deixou o seu nome na
identificação do regime - o salazarismo. É um Estado "novo" porque se
opõe ideologicamente ao Estado considerado "velho" da 1§ República.
Com poderes para superintender nos orçamentos de todos os ministérios,
Salazar implanta uma política de forte austeridade e controlo de despesas
públicas, ao mesmo tempo que aumenta gradualmente os impostos. Passados 15
anos, Salazar conseguia, desta forma, equilibrar o orçamento e eliminar o
défice público.
Considerado autor de um verdadeiro milagre, viria a
granjear grande prestígio entre os militares que lhe permitiram intervir com
autoridade nas grandes decisões políticas do Governo que, cada vez mais, passa
a ser a sua imagem.
Naturalmente, em 1932, Salazar é nomeado para a chefia
do Governo, para cujas pastas chamou personalidades políticas conservadoras de
sua estreita confiança.
2. A
PROGRESSIVA ADOÇÃO DO MODELO FASCISTA ITALIANO
Ao afirmar, no seu discurso de tomada de posse,
"sei muito bem o que quero e para onde vou", Salazar dava um claro
sinal do seu propósito de instaurar uma nova ordem política que, de forma
definitiva, resolvesse os problemas financeiros do país e instaurasse a ordem e
a disciplina sociais. Para o conseguir, adota o modelo fascista italiano na
edificação das instituições e no imaginário político.
Também em Portugal se confirmava o vigoroso
autoritarismo do Estado e o condicionamento das liberdades individuais.
a) As novas instituições
A ordem política preconizada por Salazar assenta num
conjunto de instituições que irão constituir os alicerces (apoios, fundamentos,
bases) do novo regime:
-
os estatutos da União Nacional, uma força política oficial criada pelo Governo em
1930, que, na prática, viria a transformar-se no único partido autorizado, um
Partido Nacional que congregava "todos os portugueses de boa
vontade";
-
o Ato Colonial, aprovado em 1930, um corpo legislativo através do qual
Portugal reafirmava a sua missão civilizadora nos territórios ultramarinos e
clarificava as relações de dependência das colónias, pondo fim às políticas de
descentralização administrativa e à abertura à intervenção estrangeira dos
governos democráticos da 1§ República;
-
o Estatuto do Trabalho Nacional, promulgado em 1933, claramente
inspirado na Carta do Trabalho italiana, que regulamentava a organização
corporativista do setor produtivo nacional;
-
a nova Constituição, conhecida como Constituição de 1933, que põe fim ao regime de
transição (a Ditadura Militar) e institucionaliza um novo Estado - o Estado
Novo.
b) A ideologia do Estado Novo
No seu
imaginário político, à semelhança de Mussolini, Salazar concebeu um regime:
I. Autoritário e dirigista - um presidencialismo bicéfalo
Limitado teoricamente pelos princípios da moral e do direito, rejeitou
os princípios liberais que constituíam os fundamentos do regime democrático e,
por conseguinte, repudiou o sistema parlamentar pluripartidário.
O poder executivo era detido pelo Presidente da
República, independente do poder legislativo. Todavia, a verdadeira autoridade
era exerci da pelo Governo, na pessoa do seu presidente - o Presidente do
Conselho de Ministros. De forma totalitária, superintendia na ação governativa
de todos os setores da vida pública; nomeava e exonerava o seu conselho de
ministros; referendava os atos do Presidente da República e tinha amplos
poderes de legislar. Apenas tinha o dever de submeter as propostas de lei a uma
Assembleia Nacional que, todavia, era constituída por deputados identificados
com o Governo, provenientes de um único partido - a União Nacional- e cuja
função se limitava à discussão das propostas de lei submetidas à sua aprovação.
Tratava-se de um regime fortemente presidencialista,
em que o poder executivo, na prática, era detido pelo presidente do Governo que
se sobrepunha ao Presidente da República - um presidencialismo bicéfalo.
II. Personalizado no chefe - o culto da personalidade
O chefe era o intérprete do supremo interesse
nacional. Salazar era apresentado pela propaganda do regime como o
"Salvador da Pátria", o "Guia da Nação", naturalmente apto
para governar. Figura central da governação, interveniente em todos os setores
da vida nacional, a sua imagem estava presente em todos os lugares públicos,
era venerado pelas multidões e só não era efusivamente aclamado porque era
avesso às multidões.
Com efeito, Salazar nunca assumiu o carácter militar
dos seus inspiradores ideológicos. Nunca usou farda, como Mussolini e Hitler, e
raramente patenteava publicamente força, virilidade ou agressividade.
Discrição, austeridade, sobriedade nos comportamentos eram as suas principais
características.
III. Conservador - a consagração da tradição e da
ruralidade
Radicalmente adverso à ideologia marxista e ao seu
carácter urbano e industrial, Salazar consagrou a tradição e a ruralidade como
imagem de todas as virtudes. O mundo urbano e industrial era para Salazar um
espaço onde imperava a desordem e a indisciplina geradas pela modernidade dos
novos tempos e pela luta de classes da sociedade industrial.
A família rural, tradicional e
conservadora, devia ser a imagem da sociedade portuguesa. A mulher era reduzida
a um papel passivo, submissa ao marido, profundamente feminina, unicamente
ocupada com os afazeres domésticos e com a educação dos filhos, enquanto o
homem se ocupava do ganha-pão. A mulher a trabalhar fora de casa era a imagem
da perdição da família e da perversão social, própria do mundo urbano
industrial.
IV. Nacionalista - a exaltação dos valores nacionais
A união de
todos os portugueses no engrandecimento da pátria era uma das grandes
preocupações do regime.
Como todas as divisões fragilizavam a Nação, os
partidos políticos foram proibidos e todos os portugueses "de boa
vontade" se deviam congregar na União Nacional, uma formação criada sem
preocupações partidárias, na sua origem, que viria a ser o grande suporte do
regime.
Para melhor conseguir esta união nacional de todos os
portugueses, o Estado empreendeu uma intensa campanha de exaltação dos valores
nacionais, através da consagração dos heróis e do passado glorioso de Portugal
e de valorização das produções culturais nacionais. A inculcação destes valores
fazia-se numa escola que visava a formação de consciências identificadas com a
tradição, obediência, o respeito pela autoridade, o patriotismo e a aversão à
modernidade estrangeira.
V. Corporativo (ou corporativista) - a concórdia na
organização económica e social
À semelhança do fascismo italiano e com os mesmos
objetivos, o Estado Novo também pretendeu que toda a vida económica e social do
país se organizasse em corporações.
As bases do corporativismo português foram lançadas
por um conjunto de decretos governamentais, entre os quais se destaca o
Estatuto do Trabalho Nacional que estabelecia a organização dos trabalhadores
portugueses em sindicatos nacionais e a organização dos patrões em grémios, de acordo com os respetivos
ramos de atividade profissional. Grémios e sindicatos entender-se-iam na
negociação das matérias laborais, com o Estado na superintendência e intermediação.
Todavia, o
corporativismo português apresentava-se algo mais complexo.
No setor económico, além dos sindicatos e dos grémios,
havia ainda as Casas do Povo, onde se faziam representar os patrões e trabalhadores
rurais, e as Casas
dos Pescadores, associações de gentes do mar e seus empresários.
Mas havia ainda as corporações morais, associações de cidadãos para
fins de assistência e caridade, e as corporações intelectuais, associações com objetivos
científicos, literários e artísticos.
Estas formas de associação básica eram organizadas,
num segundo nível, em federações e uniões e daqui eram eleitos
representantes para uma Câmara Corporativa, que funcionava como órgão
consultivo que emitia pareceres sobre projetos de lei do Governo a apresentar à
Assembleia Nacional.
VI. Repressivo - a liberdade amordaçada
O exercício da autoridade implicou que o regime se
rodeasse de um poderoso aparelho repressivo através do qual se subordinavam aos
interesses do Estado os direitos e liberdades dos cidadãos, ainda que
constitucionalmente reconhecidos.
Através da instituição da Censura Prévia, era exercida uma rigorosa
vigilância sobre todas as produções intelectuais escritas ou audiovisuais, que
passava pela eliminação de palavras, imagens ou ideias consideradas subversivas
para a ideologia do regime. Tratava-se de uma verdadeira ditadura intelectual
que levava os autores a procurarem as mais incríveis subtilezas literárias ou
audiovisuais, para poderem materializar a sua inteligência.
Uma polícia política, a PVDE - Polícia de Vigilância e
Defesa do Estado (mais tarde a tenebrosa PIDE), apoiada numa estrutura de sinistra delação, perseguia,
prendia, torturava e matava quem manifestasse o mínimo sinal de oposição ao
poder instituído, no total desrespeito pelos direitos do Homem e mesmo da
constitucionalidade do regime, tal era a arbitrariedade e a impunidade com que
atuavam os seus agentes.
Além da União Nacional, a superestrutura nacional de enquadramento das massas,
existiam, a nível particular, outras instituições e processos de enquadrar as
massas e fidelizar a população ao projeto do regime. Embora sem atividade na
prática da repressão, foi criada uma milícia armada para defesa do regime e
combate ao comunismo - a Legião Portuguesa, organismo onde determinados
funcionários públicos deviam estar arregimentados, depois de jurarem estar
integrados na ordem social estabelecida pela Constituição de 1933.
Para
formação ideológica da juventude, toda a população escolar era obrigatoriamente
inscrita na Mocidade
Portuguesa, uma
organização juvenil criada à imagem das congéneres italiana e alemã. Dotada de
caráter paramilitar, os jovens deviam comparecer fardados nas sessões de
instrução integrada na formação escolar e nas grandes manifestações públicas do
regime, saudando as autoridades presentes de braço estendido.
O controlo dos trabalhadores
também não foi descurado. Enquanto a atividade laboral era tutelada pelas
corporações, para a organização e ocupação dos tempos livres, segundo os
princípios morais do regime, foi criado um organismo do Estado - a FNAT, Federação Nacional para
a Alegria no Trabalho, também à imagem das similares instituições italiana e
alemã.
Para incutir na vida familiar os valores do Estado
Novo, criou-se a Obras das Mães para a Educação Nacional, que visava a formação das
futuras mulheres e mães.
3. UMA
ECONOMIA SUBMETIDA AOS IMPERATIVOS POLÍTICOS
O carácter totalitário do Estado também se fez sentir na atividade
económica e financeira. Sujeitar toda a produção e gestão da riqueza nacional
aos interesses do Estado era um objetivo constitucionalmente definido. Para o
efeito, Salazar abandonou por completo o liberalismo económico e adotou um modelo fortemente dirigista.
Protecionismo e intervencionismo, tendo em vista a autarcia - autossuficiência do país - e
consequente afirmação do nacionalismo económico, foram as principais
características da economia do Estado Novo.
a) A prioridade à estabilidade financeira
Já vimos que Salazar foi convidado para a tutela das
finanças públicas com o objetivo de resolver as crónicas dificuldades
financeiras do Estado. Também vimos que a afirmação política de Salazar se
ficou a dever ao sucesso das suas políticas na consecução do muito ambicionado
equilíbrio orçamental.
Efetivamente, ao mesmo tempo que Salazar impunha aos
diversos ministérios uma rigorosa política de limitação de despesas, lançava
sobre a população um conjunto de impostos, tendo em vista o aumento da receita
fiscal.
O
"milagre" financeiro conseguido por Salazar também se ficou a dever
em muito à conjuntura internacional.
Quando, em 1939, deflagrou a Segunda Guerra Mundial, Salazar preferiu a
neutralidade. Pôde, assim, evitar as consequências negativas da participação
num conflito bélico, tão visíveis aquando da participação de Portugal na
Primeira Guerra Mundial, e aproveitar as necessidades económicas dos países
envolvidos para dinamizar alguns setores ligados à exportação, como o
volfrâmio, as indústrias de conservas e os têxteis, ligados ao fardamento. As
reservas de ouro aumentaram e o escudo português ganhou prestígio no quadro
financeiro europeu.
b) A importância da agricultura
Fortemente ruralista, como já vimos, Salazar via nas
atividades agrícolas um dos meios mais poderosos para atingir a pretendida
autossuficiência económica. Assim, correspondendo também aos interesses dos
grandes agrários, um dos principais sustentáculos sociais do novo regime,
Salazar empreendeu um conjunto de medidas de fomento das atividades agrícolas.
O Estado Novo foi o tempo da construção de numerosas
infraestruturas hidráulicas tendo em vista facilitar a recuperação e
aproveitamento de campos agrícolas; da adoção de políticas de fixação de
populações no interior rural; de amplas campanhas de florestação; de
dinamização da produção dos bens mais tradicionais na alimentação portuguesa
como a batata, o arroz, o vinho, o azeite e as frutas.
De todas as medidas agrícolas, a que mais impacto teve
pelos objetivos e resultados foi a dinamização da produção de trigo, visando
tornar o país autossuficiente neste setor ainda fundamental da alimentação da
população. Foram os tempos da Campanha do Trigo, entre 1929 e 1937, à
semelhança da política agrícola adotada por Mussolini, na Itália, com algum
sucesso inicial, e por isso transformada numa das bandeiras da propaganda do
Estado Novo.
A Campanha do Trigo foi apresentada como a forma mais
sublime de dignificação da lavoura nacional, então considerada "a
indústria mais nobre e a mais importante de todas as indústrias e o primeiro
factor de prosperidade económica da Nação". Envolvida em medidas
fortemente protecionistas, esta campanha traduziu-se num grande alargamento da
área de cultura do trigo, em demonstrações técnicas do uso de máquinas e de
adubos, assistência aos agricultores com garantia de aquisição de toda a
produção pelo Estado a preço tabelado, seleção técnica das sementes e
organização de parques de material agrícola.
Em torno desta campanha,
desenvolviam-se outras manifestações de algum dinamismo industrial, visível no
desenvolvimento da indústria das moagens, produção de adubos químicos,
maquinaria agrícola e consequente oferta de postos de trabalho.
c) O condicionamento industrial
No âmbito da indústria, os primeiros anos do regime
foram marcados pela persistência dos constrangimentos tradicionais do
desenvolvimento do país: deficiente rede de comunicações, processos
tecnológicos arcaicos, baixos níveis de produtividade, dependência das
importações, falta de iniciativa por parte dos investidores portugueses,
manutenção de baixos salários.
I. Conceito
A juntar a este cenário já de
si impeditivo do desenvolvimento da indústria nacional, a década de 30 foi o
tempo em que mais se fez sentir a política de condicionamento industrial.
Como se pode depreender do conceito, as iniciativas empresariais deviam
enquadrar-se num modelo económico definido e dirigido pelo Estado. Em
conformidade, qualquer ação no âmbito industrial, desde a instalação,
ampliação, mudança de local, transação, até à modernização tecnológica,
sobretudo se envolvessem grandes quantidades de capital, como eram os sectores
dos adubos, cimentos, tabacos, fósforos, entre outros, dependiam de autorização
do Estado. A liberdade dos agentes económicos era sacrificada ao interesse de
um Estado que se afirmava fortemente dirigista e intervencionista.
II. Objetivos
Com esta política, Salazar
tinha em vista evitar a concorrência estrangeira pelo controlo da indústria por
nacionais e regular a atividade produtiva. Desdobravam-se estes objetivos, por
um lado, na busca de equilíbrio entre os vários interesses e grupos sociais e
na contenção do considerado perigoso crescimento do operariado urbano; por
outro lado, na limitação das crises resultantes do excesso de produção e o
consequente desemprego e agitação social que tinham marcado os tempos da 1§
República.
Porém, não é também de excluir que esta política de
condicionamento da indústria cabe perfeitamente no caráter ruralista,
anti-urbano e anti-industrial, de Salazar e dos ideólogos do Estado Novo para
quem este setor da economia não era prioritário.
III. Consequências
E assim, a política de condicionamento industrial constituir-se-ia como
um forte constrangimento à modernização do país e à consequente perpetuação de
processos tecnológicos e baixos níveis de produtividade que caraterizaram o
Estado Novo.
Outra consequência da limitação da concorrência foi o aparecimento de
grandes empresas monopolistas, que o regime acabaria por proteger, já que a
burguesia empresarial a eles associada tornar-se-ia o grande suporte social do
regime.
d) As grandes obras públicas
A implementação de amplos programas de obras públicas foi também em
Portugal, tal como na Itália e na Alemanha, a manifestação mais visível do
desenvolvimento do país. Pretendia-se também dar uma imagem nacional e
internacional de modernização de Portugal e, ao mesmo tempo, resolver o
problema do desemprego.
Em consequência, melhorou-se a rede de estradas, a
rede ferroviária, os portos marítimos, a rede telefónica e telegráfica
nacional; eletrificação do interior do país, edificaram-se grandes complexos
desportivos, complexos hidroelétricos, edifícios de serviço público; deu-se
particular atenção aos monumentos históricos.
São imagem do fomento construtivo do Estado Novo os
primeiros quilómetros de autoestrada entre Lisboa e Vila Franca de Xira, a
Ponte Salazar (agora Ponte 25 de Abril), a ligar Lisboa a Almada, e a Ponte da
Arrábida, a ligar o Porto à margem sul do Douro, os grandes sistemas de
barragens para aproveitamento hidroelétrico, o Estádio Nacional no vale do
Jamor, estabelecimentos prisionais, tribunais, edifícios escolares, hospitais,
quartéis militares, bairros operários, estaleiros navais, por exemplo.
As obras públicas, independentemente das
circunstâncias em que foram realizadas, acabaram por ser o grande legado do
Estado Novo.
e) A política colonial - Portugal, um país
pequeno na Europa, mas grande no Mundo
As colónias desempenharam uma dupla função no Estado
Novo. Foram um elemento fundamental na política de nacionalismo económico e um
meio de fomento do orgulho nacionalista.
No primeiro caso, porque
realizavam a tradicional vocação colonial de mercado para o escoamento de
produtos agrícolas e industriais metropolitanos e de abastecimento de
matérias-primas a baixo custo.
No segundo caso, porque constituíam um dos principais
temas da propaganda nacionalista, ao integrar os espaços ultramarinos na missão
histórica civilizadora de Portugal e no espaço geopolítico nacional.
A vocação colonial do Estado Novo motivou, logo em
1930, a publicação do Ato Colonial, onde eram clarificadas as relações de
dependência das colónias e se limitava a intervenção que nelas podiam ter as
potências estrangeiras. Punha-se fim, de forma definitiva, a experiências de
descentralização administrativa e de abertura ao capital estrangeiro,
praticadas durante a 1§ República.
Para a consecução do segundo objetivo, o regime levou a cabo diversas
campanhas tendentes a propagandear, interna e externamente, a mística imperial,
entre as quais se destacou a Exposição do Mundo Português, em 1940. Afinal,
nenhum outro país fascista reunia tantas condições para afirmar a sua vocação
imperialista.
4. O PROJETO
CULTURAL DO REGIME - A "POLÍTICA DO ESPÍRITO"
a) Caracterização
O projeto cultural do Estado Novo também foi submetido
aos imperativos políticos, à semelhança do que acontecia nos regimes
totalitários do resto da Europa. Quer dizer que, também em Portugal, a
liberdade criativa, que caracterizara os primeiros anos do século XX, deu lugar
a uma criação artística e literária fortemente condicionada pelos interesses do
regime.
Ora, os interesses do Estado Novo eram, por um lado, evitar os excessos
intelectuais que pusessem em causa a coesão nacional e, por outro, dinamizar
uma produção cultural que propagandeasse a grandeza nacional.
b) Meios
Para
controlar a liberdade criativa, como já vimos, foi instituída uma severa ação
de censura
sobre toda
a atividade cultural, em especial sobre as produções de artistas, na sua grande
maioria, não identificados com a política salazarista. Os autores portugueses
eram submetidos a uma autêntica ditadura intelectual.
Porém as preocupações com o
controlo da produção cultural levaram os ideólogos do regime a conceber a
chamada "política do espírito" Tratava-se de um projeto totalizante,
envolvido numa ação de intensa propaganda, que visava inculcar na mente de
todos os portugueses o ideário do Estado Novo.
Para pôr
em prática esta política de incentivo propagandista do regime e de padronização
da cultura e das artes, foi criado, logo em 1933, o Secretariado da Propaganda
Nacional, instituição
paralela às criadas por Mussolini, na Itália, e Hitler na Alemanha.
Falar no Secretariado da
Propaganda Nacional é falar em António Ferro, chamado para a sua direção após a publicação do seu
livro Salazar,
o Homem e a Obra, cargo que exerceu até 1949. A António Ferro se deveu, por conseguinte,
a formulação doutrinária da política do espírito.
António Ferro foi uma das mais controversas figuras da
nossa história mais recente. Com apenas 19 anos, foi convidado por Fernando
Pessoa para editar a revista Orpheu. Significa que o diretor de uma instituição castradora
da liberdade criativa tinha mantido relações de amizade com os grandes vultos
do modernismo português. Entretanto, era um fervoroso simpatizante do fascismo,
fascinado mesmo por Mussolini e pelos regimes autoritários da época. Mas as
contradições da sua personalidade são ainda evidentes ao pretender afirmar
Portugal internacionalmente através de um programa de desenvolvimento das
artes, da literatura e das ciências submetido a um ideário retrógrado - o
ideário do Estado Novo - e afastado do verdadeiro projeto de vanguarda - as
ideias em que assentava a criação modernista. Na verdade, António Ferro
pretendia conciliar duas posições claramente opostas sobre o que deve ser um
projeto cultural -o conservadorismo e a vanguarda.
c) Realizações
O Secretariado da Propaganda Nacional viria a desenvolver um amplo
programa de regeneração do espírito português, através da realização de
múltiplas manifestações de carácter cultural, cuidadosamente vigiadas pela ação
da censura.
Entre elas
destacam-se as realizações mais emblemáticas do Estado Novo:
- comemorações, salões de pintura, prémios
literários, congressos científicos, exposições, inaugurações de obras públicas,
todas envolvidas em alta pompa e circunstância para ostentação da grandeza do
regime;
- com um
carácter mais popular, a organização de festas, marchas, concursos e as grandes
comédias cinematográficas, que atingiram, nesta altura, o seu apogeu.
Para a realização de todo este programa de
enaltecimento da grandeza nacional, o Estado contava com o apoio de
intelectuais e artistas cujas produções patrocinava. Na falta de uma cultura
patrocinada pela sociedade civil, o Estado constituía-se como um grande
mecenas.
De todas as realizações, uma merece uma atenção
especial: a Exposição
do Mundo Português, de 23 de junho a 2 de dezembro, de 1940, a propósito
da celebração da fundação da nacionalidade (1140, ano em que D. Afonso Henriques
se autoproclamou rex portucalensis) e da restauração da independência (1 de dezembro de
1640), manifestação imponente da grandeza do império português, para incentivo
do orgulho nacional e para a Europa se deslumbrar, numa altura em que estava
envolvida na 2ª Guerra Mundial.
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